11/03/2010

Retalhos do Tropical




Cansei de estudar no quarto, passei a estudar na sala. Cansei da sala, passei a estudar no cursinho. Cansei de la também, me mudei pro Tropical. Descobri que shopping é um ótimo ambiente pra estudo, pelo menos no turno da manhã e quando ele não tem ar condicionado (melhor o vento natural). Não tem barulho que chegue a atrapalhar e nem silêncio que cause sono. Tem gente o suficiente pra nos impedir de pensar em nada ou conversar em voz alta com nossas múltiplas personalidades (hábito meu desde a infância). Com os dias a gente se sente em casa, mas em casa sempre com visitas. É bom não ficar totalmente à vontate.
Eu costumo sentar no mesmo lugar. A mesa ao lado da consultoria, na cadeira virada pra escada rolante, porque aí eu posso ver todo mundo que entra e sai da minha nova residência. E é um ótimo remédio pro tédio e pra preguiça, olhar e discretamente analisar quem sobe e quem desce. É assim que a gente percebe o quanto o ser humano é um bicho estranho. Esse exercício de anti-tédio já me proporcionou muitas gargalhadas internas. A mulher brigando no celular. O cara que quase cai. A roupa medonha. Uma expressão que podia ter passado despercebida. Um gesto que só se faz quando se imagina que ninguém ta vendo. Eu vi. E ri.


O café. Virou rotina. A gente chegava, se posicionava na respectiva mesa e depois de organizar o primeiro assunto do dia eu ia pedir meu café. A tia sempre chegava depois da gente e meu café era o primeiro do expediente. Enquanto ela preparava eu fui conhecendo-a. O batizado da filha. A prima estudante. A cicatriz na mão direita. Até que ficava pronto. Como o cheiro é bom! Preto, meio amargo e muito quente. Ajuda a começar bem um longo dia de estudo.

O garanhão. Ele sobe e desce a escada rolante várias vezes por dia, todos os dias. Óculos escuros, calça djins e camisa social. Sempre. Sobe com pose de quem sabe que todos lhe esperam e desce sabendo que vai fazer falta. Não posso negar que fazia mesmo.

A pipoca. Foi automático. O cheiro veio, invadiu minha cabeça e me roubou do estudo. Uns segundos depois estávamos as duas no meio da praça de alimentação farejando cada direção pra descobrir de onde vinha o cheiro embriagante de "carrinho de pipoca de festa de São João". O odor tava tão forte que cheguei a sentir o gostinho da manteiga primor derretida misturada com o sal e ouvi o croc da pipoca entre meus dentes. De onde ele vinha? Saímos à caça. Perguntar onde vende pipoca às 8 da manhã pareceu bem normal aquele dia. "Tem um carrinho no andar de baixo", foi o que a mulher da lanchonete respondeu. Aaaahh como tava boa aquela pipoca. Isso que é um café da manhã...

O estranho. Eu tava mesmo concentrada no estudo, não percebi a camisa azul se aproximando. Quando levantei a cabeça ele balançou a mão em um oi desengonçado e foi embora. Não tive tempo de retribuir o aceno e até agora não entendi o objetivo dele.

As irmãs. Conhecidas minhas. Duas mulheres muito bonitas. Na verdade, uma mulher e uma menina. Sendo que perto de mim a menina vira mulher e eu me encolho no meu jeito infantil de ser. Tinha a curiosidade de saber o que tento elas fazem pro lado do Sex shop...

A música. Eu não acreditei quando ouvi. Eram 8:30 da manhã e a mulher tava ouvindo brega, tecno-brega ou seja lá o que for aquilo. Eu tentei não reparar na letra mas era impossível se concentrar com a voz esganiçada da cantora invadindo meu ouvido indefeso. Eu ri e dessa vez não foi internamente.

O carinha da limpeza. Eu ri e dessa vez não foi internamente. No seu uniforme cinza e azul ele passava pano no chão monotonamente e no olhar dele eu pude ler claramente o que ele pensava: Essa menina é autista. Isso me ofendeu um pouco.

Fofoca. Tentei muito reconstruir a história com os pedaços de conversa impossíveis de não ouvir. Mas ficou complicado. Quatro amigos.
Dois homens e duas mulheres. Conversavam sobre a vida de outros três amigos. Me pareceu um baita triângulo amoroso com direito a aborto, traição e uma herança a ser discutida. Quem falava mais era a Ana, uma gordinha muito bem arrumada e brava. Um Roberto que amava uma Cláudia que tava grávida de um Saulo. O último tinha dinheiro, pagaria uma boa pensão. Mas o outro era o noivo. O que a Cláudia deveria fazer? Foi o que deu pra entender. Dói a curiosidade de saber o fim da história.

A cadeira de rodas. Fiquei muito feliz comigo quando percebi que não senti pena. Ele parece ser novo, uns 30 anos. Trabalha na consultoria e sorriu pra mim algumas vezes como uma forma de dar bom dia. Passava boa parte da manhã na porta olhando o movimento, até algum cliente chegar e ele ter que entrar. Eu chamaria ele de Marcos. Lhe daria dois filhos homens, um de 5 e o outro de 8 anos. Uma esposa loira com o sorriso grande e um exemplo de vida. Um dia ainda converso com ele.

A máfia. Eram quatro. O mais velho chegava primeiro. Sentava e ligava pra cobrar dinheiro de alguém. Falava alto e tava sempre reclamando. Tinha uma risada estrondosa o muito sem vontade. Típica de manda-chuva. Os outros iam chegando um por um. O mais magro era sempre o último. O atrasado. O assunto era dinheiro. Tratado através de metáforas. Tinha um advogado no meio da história, um processo, foi o que pareceu. O quinto membro do grupo tava sendo passado pra trás. "Eu tentei convencer ele, mas ele que não quis ajudar. Tudo tem sua consequência." Gargalhavam cinicamente, um olho sorrindo e o outro observando os outros três rirem. Quando o mais velho parava, todos paravam. Era automático. Jurei que se visse um deles carregando uma daquelas pastas pretas com muitos dólares típicas de filmes de ação eu iria segui-lo. Infelizmente não tive a oportunidade. Fiz a prova antes e deixei de estudar :D

5 comentários:

  1. pois é vaca, bons tempos no monumental!!!!

    =)

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  2. Delicioso! Pra variar, lembrei de mim mesmo fazendo especulações sobre os outros.

    CARA! Na verdade lembrei de mim mesmo estudando no Tropical. Podia muito bem ser eu escrevendo isso aí. Assustador xD

    Amei, Feto!

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  3. Acho que vou ter que voltar a estudar lá Fê. Vamo combinar =)

    Tão bom analisar seres desconhecidos né Fóssil? Diverte muito!

    Bjão.

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  4. claro pow!! o tropical q me fez passar em civil!!

    =)

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  5. CARAMBA, que divertido!
    Fiquei realmente triste quando acabou!
    Sugiro versões 2.0, 3.0, e quantos números possíveis. Com outras versões de pessoas também.
    Eu li. E ri. E desse vez não foi internamente!

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